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Fazendo as contas, a viagem em números
Foram:
- 23 dias
- 14 cidades. Contando as cidades onde passei mais de uma hora e fiz alguma refeição! Passei por Curitiba, Campo Grande, Corumbá, Puerto Quijarro, Santa Cruz, Sucre, Potosí, Uyuni, San Pedro de Atacama, Antofagasta, La Serena, Tongoy, Valparaíso, Santiago…Foram muitas mais no caminho, pela janela do ônibus ou do trem (como San José de los Chiquitos, Calama…)
- 2 voos (na verdade quatro trechos) GRU – CG (com conexão em Curitiba) e SCL-GRU (com conexão em Asunción)
- 20 horas passadas no trem
- 56 horas passadas em ônibus
- mais de 4600 km por terra, de Campo Grande (MS/BR) a Santiago (RM/CL)
- 17 noites de hotel
- 1 noite no trem da morte
- 4 noites dentro de ônibus
- 10 hotéis/hostais/alojamientos (Residencial 7 de Mayo em Santa Cruz, Alojamiento La Plata em Sucre, La Casona em Potosí, Hotel Avenida em Uyuni, Hotel de Sal, Alojamiento na Reserva Nacional da Fauna Andina Eduardo Avaroa, Hostal La Florida em San Pedro de Atacama, Residencial La Serena em Tongoy, Bed & Breakfast Allegretto em Valparaíso, Rent a suite Menorca em Santiago). O mais barato me custou 30 Bol /US$ 4,29 (individual com baño compartido), o mais caro US$80 (apart-hotel). O apart em Santiago foi o único lugar no Chile onde tomei uma ducha com a mesma temperatura do começo ao fim.
- cerca de 20 horas passadas dentro do Jeep
- um número não certo, mas certamente insuficiente, de salteñas
- 2 mojitos
- 1 caipirinha de morango (num lugar com uma vista espetacular de Sucre)
- zero sopa de maní (como eu fiz isso?)
- zero chirimoya alegre con helado/ ou helado de chirimoya alegre
- 4 sorvetes (1 em Sucre, 2 em San Pedro, 1 em Santiago)
- 1 taça de vinho boliviano (Terraño), em um restaurante francês de Sucre
- várias taças de vinho chileno
- quase
15002.000 fotos - 3 compras (um par de luvas vermelhas, um par de óculos de sol, um porta moedas)
- 10 comprimidos de aspirina (contra o soroche)
- 12 comprimidos de Dramin (que acabaram no deserto do Atacama)
- muuuuuuitas horas de internet
- Incontáveis pensamentos
- Muita saudade
- 56 posts (incluíndo este)
PS: eu perdi uma única coisa (que eu tenha percebido até agora), um pen-drive que esqueci na lan house em Santa Cruz, ou seja no início da viagem. Quando voltei, em 5 minutos, já tinha aparecido um « dono ».
Para terminar, pessoas
Queria terminar com umas imagens de pessoas que cruzaram meu caminho, conhecidas ou não.
TAM, melhor dizendo, Tome Asiento Muchacha
Eu sei perfeitamente que antes de comprar o bilhete eu deveria ter verificado qual era a aeronave. Simplesmente, é o que costumo fazer. Dessa vez não fiz. Tinha ponderado sobre as horas de voo, a escala em Asunción, mas não fiz muito caso do aparelho.
Quando saí do finger e vi o interior do A 320, quase pude sentir na boca o sabor do « gol de placa », o sanduba servido no voo SP-BSB. O pior cenário seria um pacote de mixed nuts com um copo de Xingú. Respirei fundo e me disse que pela hora do voo, 14h30, no Chile subentende-se que a refeição quente vai ser um almuerzo. Ainda assim, fiquei lembrando dos tomates e queijo que eu havia deixado, e da piada que fizera mais cedo sobre desembrulhar um pedaço de queijo bem forte e um tomate no meio do voo… ainda bem que havia comido uma pera no aeroporto, logo antes de embarcar, porque o iogurte com fruta, abacate, café e media luna do café da manhã já não passavam de lembrança.
Quando chegou a triste bandeja , o coração apertou e senti pena compaixão por todos os passageiros e um arrependimento terrível de não ter comprado uma caixa de alfajores no duty free. Um minúsculo paozinho de leite com cara de velho, um potinho de manteiga, dois quadradinhos medindo não mais que uma polegada de lado e meia polegada de altura de uma coisa que só poderia ser descrita como recheio de quiche de abobrinha com cenoura (nem sinal de massa no fundo), e uma sobremesa indefinida que talvez tivesse coco, mas eu não apostaria um fio de cabelo branco nisso. A única salvação era uma taça de vinho que acompanhava; que se não era particularmente bom (e servido em um copo plástico de coca cola), pelo menos era tinto e chileno. Ainda bem que eu tinha a minha garrafa de Benedictino (água com gás e pouco sódio).
Escala em Asunción. 45 minutos ouvindo « arpa paraguaya » tocada ao vivo. Tempo suficiente para comprar dois alfajores Havanna (mais vale prevenir) e olhar as poucas e tristes vitrines de artesanatos… repletas de artigos de couro, jóias (?) de gosto duvidoso, e umas rendas e bordados muito parecidos com as da feirinha da Beira-Mar.
No voo Asunción – SP, surpresa: serviram um jantar, com opções de almôndegas com arroz e ravióli de ricotta, o que me fez pensar no diário mínimo de Umberto Eco.
Chegando em SP, surpresa menos agradável… muita turbulência, dessas de fazer o avião despencar no vácuo e o estômago (a essas horas já cheio de ravióli) tomar o lugar do esôfago. Por causa do mau tempo, ganhamos uma meia hora suplementar de voo, o que me fez chegar em casa bem depois das 23h00.
Voltar é sempre mais difícil.
Volver
Saí de Santiago quase como cheguei… longa viagem de metrô até Pajaritos seguida do ônibus Centropuerto até o aero.
No areoporto dentro das duas horas regulamentares, nem tinha o que fazer. A chuva da noite limpou um pouco o céu, e era possível ver umas nuvens interessantes.
Chau!
Andanças por Santiago
Cheguei em Santiago no fim da tarde de sexta, o que, de cara, arruinou meus planos de encontrar uns conhecidos que eu tinha de contatar em horário de trabalho. Graças à indicação de uma moça que viajou ao meu lado no ônibus, não desci na estação San Borja, mas no metrô Pajaritos. Viagem de 30 minutos até a estación Los Leones, e estava em Providência, a poucos metros do apart-hotel onde queria ficar.
Infelizmente, eu pensara muitas vezes em escrever ou ligar para fazer reserva no apart que fica na Santa Magdalena, mas não tomara nenhuma ação mais efetiva! E, ao chegar ao hotel, descobri que só havia vagas a partir do dia seguinte, apesar de toda a solicitude de don Eduardo em tentar me conseguir uma vaga lá ou em um hotel da rede. Reservei para o dia seguinte e aceitei a proposta de deixar minha mochila lá enquanto buscava um lugar para ficar naquela primeira noite. Lembrei de um hostal que eu tinha pesquisado, que não ficava longe. Saí caminhando e, a duas quadras, encontrei um outro apart-hotel, com um apartamento livre. Mais barato que o outro, e maior. Ufa !!! Voltei correndo buscar minha mochila.
A minha estratégia em Santiago era conhecer o máximo caminhando. Nem fiz muito caso de museus ou monumentos em particular, que abundam na capital chilena. Desprezei também a indicação de ver a troca da guarda na Plaza de Armas, porque a semana da pátria já tinha usado a minha cota de demostrações militares e patrióticas… e ainda restava a decoração em toda parte.
A minha proposta era ver as ruas, a cara do povo, o movimento. Mantive alguns pontos que sempre figuram na minha lista quando visito alguma cidade: um mercado ou feira livre, uma livraria (se puder ser um sebo melhor), um lugar para tomar um café ou a bebida quente que o povo tomar (na Bolívia, por exemplo, mais vale a manzanilla que o café). Também adoro ir a um salão de beleza, se possível para cortar o cabelo, e dar uma olhada em algum supermercado. As más-línguas dizem que esse último hábito eu obtive com a convivência com o movimento de donas de casa, mas eu desminto, tenho isso há muito tempo.
Perambulei muito. Vi o mercado muncipal, que todos me diziam meio sem interesse, e que é lotado de restaurantes com comida típica. Depois dos excessos de Tongoy, achei melhor maneirar na dieta…então fiqui só olhando os cardápios e mostruários com Centolla, e diversos peixes e mariscos. Foi difícil resistir. Se tivesse companhia, acho que teria sucumbido ao apelo da centolla.
Muito mais pitoresco, e para mim interessante, é o mercado popular Tirso de Molina , a uns 200 metros do municipal, e que tem frutas e verduras. Já que estava num apart, com possibilidade de cozinhar, foi lá que comprei tomates, palta (abacate), frutilla (morangos) e peras.
Tampouco resisti ao turístico passeio de funicular.
Duas pessoas me recomendaram o zoológico, mas eu costumo achar meio deprimente os animais enjaulados, embora não nutra nenhuma afeição particular por animais. Na verdade, há tempos superei a vergonha de dizer que os prefiro em desenho animado (isso é particularmente válido para gatos e cães, com exceção do Shiraz e do Tobi).
O lugar estava apinhado. O céu com uma poluição digna de São Paulo não contribuía para as fotos panorâmicas… o amanhecer e o entardecer devem ser espetaculares.
O bônus no caso do funicular do Cerro San Cristóbal é a possibilidade de se descer por um caminho muito lindo. Também é possível subir pelo caminho, mas só descobri depois. A intenção de descer caminhando foi o que me impediu de esperar o pôr-do-sol lá em cima.
Ao sair do parque, um choque de realidade ao ver as antenas de tv e os prédios da Santiago moderna.
Yo no me caso hasta que todos lo puedan
Passeava pela avenida Providência com intenção de ir até o mercado municipal. Quando fui chegando perto do metrô Baquedano, na metade do caminho, vi uma multidão com umas bandeiras amarelas. Logo pensei tratar-se de alguma manifestação popular relativa ao Bicentenário …mas foi só chegar um pouco mais perto para começar avistar as bandeiras arco-íris… Assim, sem premeditação, estava em plena parada do orgulho gay de Santiago.
A parada é uma das manifestações por direitos e liberdades que mais aprecio. Então, resolvi acompanhar um pouquinho.
Não tinha muita gente, mas o povo estava bem animado.
Pelo que vi, igual quantidade de meninos e meninas, grupos de defesa de direitos, como as famílias em defesa …
É claro que a parada, além de reivindicação é também um grande carnaval.Os trangêneros comandam a festa!
Mas tem lugar para todo mundo!
Ainda que sob o olhar atento dos carabineiros.
PS para a Nêga, não pulei debaixo de nenhuma bandeira arco-íris!!!!
Fim do mistério
Desde a minha chegada ao Chile andava intrigada com uma iguaria chamada mote com huesillos, que em muitos lugares é ofertada como sobremesa e não raro recebe o epíteto de rico, que significa gostoso.
Ontem alguém me explicou que huesillos nada mais eram que uns pêssegos, e o tal mote com huesillos uns grãos com o pêssego seco. Tomei coragem, então e , no parque municipal, resolvi comer uma porção.
Na verdade é de comer e beber, e é servido gelado, ou assim se anuncia.
O tal do grão ainda não descobri o que é, mas lembra vagamente o milho.
And I give you Mote com huesillos:
PS: o mote do Mote com huesillos é trigo!!!! Teria encontrado a informação em qualquer guia se tivesse me dado ao trabalho de ler algo.
Paraíso
Acho que a primeira vez em que ouvi falar de Valparaíso foi quando eu tinha uns dez ou onze anos e a família da minha colega de escola Andrea, por alguma razão bizarra, foi morar alí durante uns dois anos. Em plena ditadura militar! Ao retornar, Andrea falava do lugar, principalmente do mar, dos panelaços e do uniforme das escolas, parecido com os das escolas inglesas.
O mar ainda está lá, ainda bem, e os uniformes escolares permaneceram parados no tempo. Para as garotas, umas saias cinza com meias da mesma cor, e casaco, além de umas incríveis polainas. O porto já não tem a mesma importância e a vizinha Viña del Mar, conhecida pelo festival de música, tornou-se um horrível balneário com prédios destituídos de charme.
Parece que o título de patrimônio da humanidade salvou Valparaíso. A cidade é linda… com uma geografia privilegiada, faz pensar no que poderia se tornar o Rio de Janeiro se alí houvesse governo. É claro que Valparaíso é bem menor, logo o trabalho parece ser mais fácil.
A cidade valorizou suas encostas e a vista para o mar com vários paseos, miradores e ascensores.
É intrigante ver as fachadas coloridas das casas típicas, recobertas de folhas de zinco (!) onduladas.
Em Cerro Alegre e Cerro Concepción, apesar dos muitos bares, hostais e lojinhas de artesanato, consegue-se perceber uma vida local, com atividades culturais e sociais de bairro que ultrapassam o aspecto turístico. Tem-se a impressão que é lugar bom de se viver.
Subi e desci muita ladeira desde o momento em que cheguei. Na página do meu Bed & Breakfast, a orientação era pegar um ônibus na estação rodoviária direção Aduana e descer na praça Aníbal Pinto. Em seguida tomar um táxi compartilhado (que eu pensava só existir na Bolívia) e subindo a rua Almirante Montt por umas 4 quadras. Ingenuamente, achei que por 4 quadras poderia dispensar o táxi e seguir caminhando, e assim o fiz. Era sem contar com a ladeira baiana que é a Almirante Montt. Com uma mochila de 14 kg nas costas e na frente a mochilinha com computador e câmera, fui avançando devagar e com várias paradas. Para piorar, o fecho que prende o apoio do quadril da mochila esta ruim e solta todo o tempo. Fiquei feliz em chegar no hostal.
Caminhei muito pelas ruas , vi os miradores, os monumentos…
Ao passar por uma ruazinha, ouvi um violão e vi na soleira de uma porta um rapaz que tocava Pobre del cantor de Pablo Milanés… delícia.
Também fui visitar a escola de fotografia Cámara Lucida (http://www.camaralucida.cl/portada.htm ), projeto iniciado há 11 anos por um soriano, numa casa distante poucas quadras de onde estava hospedada. Fui recebida com uma hospitalidade fantástica
Final de tarde com direito a pôr-do-sol nas Torpederas , com uma caminhada quase sem fim pela orla .
Na volta do passeio, resolvi parar num restaurante entre o bairro do Porto e o palácio de Justiça chamado La Playa, que afirma ter sido inaugurado em 1908, e mescla uma decoração kitsch com uns painéis de madeira, espelhos e fotos antigas. Pausa para um copo de vinho, enfim, e uma empanada de macha-queso. O vinho não era dos melhores e o óleo onde foi frita a empanada não estava na primeira juventude, mas o balcão de madeira do bar me ofereceu um momento tranquilo, com uma impagável trilha sonora dos anos 70, que começou com Eagles, – Hotel California- e seguiu por David Bowie (Ziggy Stardust) – Starman, Peter Frampton -Baby I love your way , Carpenters -Close to you, Carly Simon – You’ve got a friend… pura nostalgia que mereceria figurar na playlist da Karam!
No dia seguinte, cometi um erro terrível. No lugar de seguir deambulando por Valparaíso, tomei o metrô e fui visitar Viña del Mar… tempo perdido. Céu nublado, tempo frio, sem muita graça.
No início da tarde, deixei o paraíso em um ônibus e segui para Santiago.
No caminho, fui vendo alguns vinhedos com os nomes que vemos nas garrafas: Indomita, Emiliana… Ao meu lado, uma garota estudava a aplicação de florais de Bach. Num dado momento, começou a se maquiar e, para curvar os cílios, usou uma colher de café… vontade de fazer uma foto disso!
Fatos sobre o Chile
Um dia ouvi na France Inter (rádio francesa), o escritor Luis Sepúlveda dizer que o café chileno era a coisa menos parecida com café que há. Na verdade, o que se bebe usualmente no Chile, de norte a sul, é o liofilizado (o velho nescafé) muito diluído. É interessante ver os caras no meio da rua com uns garrafões como os que vendem mate no Rio, só que cheio de água quente. Eles despejam o pó em um copo de isopor de uns 200 ml e enchem até a borda. Tomei um desses em Tongoy… péssima experiência, que só vale para fins antropológicos e não deve ser repetida. No mais, na cidade grande sempre dá para tomar um espresso. Para os amantes do café com leite, é importante nunca pedir um café con leche, é leite com nescafé… a pedida é um cortado.
E quem gosta de acompanhar um café com um croissant deve saber que a flor da pastelaria vienense, que atende pelo nome de media luna , é sempre doce em terras chilenas (ou assim me disseram).
Em muitos cafés e bares vê-se entre as refeições uma que se chama once. Logo associei ao hábito inglês de um chá das onze da manhã… Na verdade, trata-se do chá das 5. E parece que as « pessoas de bem » nunca usam a expressão popular tomar once. É, no Chile também se distingue a classe social pelo vocabulário.
I shoot film, and I know why, I don’t trust digital cameras!
Ok…tava tudo indo muito bem, mas ontem a câmera resolveu apresentar uns erros… Vou ver o que faço disso.