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Para terminar, pessoas
Queria terminar com umas imagens de pessoas que cruzaram meu caminho, conhecidas ou não.
TAM, melhor dizendo, Tome Asiento Muchacha
Eu sei perfeitamente que antes de comprar o bilhete eu deveria ter verificado qual era a aeronave. Simplesmente, é o que costumo fazer. Dessa vez não fiz. Tinha ponderado sobre as horas de voo, a escala em Asunción, mas não fiz muito caso do aparelho.
Quando saí do finger e vi o interior do A 320, quase pude sentir na boca o sabor do « gol de placa », o sanduba servido no voo SP-BSB. O pior cenário seria um pacote de mixed nuts com um copo de Xingú. Respirei fundo e me disse que pela hora do voo, 14h30, no Chile subentende-se que a refeição quente vai ser um almuerzo. Ainda assim, fiquei lembrando dos tomates e queijo que eu havia deixado, e da piada que fizera mais cedo sobre desembrulhar um pedaço de queijo bem forte e um tomate no meio do voo… ainda bem que havia comido uma pera no aeroporto, logo antes de embarcar, porque o iogurte com fruta, abacate, café e media luna do café da manhã já não passavam de lembrança.
Quando chegou a triste bandeja , o coração apertou e senti pena compaixão por todos os passageiros e um arrependimento terrível de não ter comprado uma caixa de alfajores no duty free. Um minúsculo paozinho de leite com cara de velho, um potinho de manteiga, dois quadradinhos medindo não mais que uma polegada de lado e meia polegada de altura de uma coisa que só poderia ser descrita como recheio de quiche de abobrinha com cenoura (nem sinal de massa no fundo), e uma sobremesa indefinida que talvez tivesse coco, mas eu não apostaria um fio de cabelo branco nisso. A única salvação era uma taça de vinho que acompanhava; que se não era particularmente bom (e servido em um copo plástico de coca cola), pelo menos era tinto e chileno. Ainda bem que eu tinha a minha garrafa de Benedictino (água com gás e pouco sódio).
Escala em Asunción. 45 minutos ouvindo « arpa paraguaya » tocada ao vivo. Tempo suficiente para comprar dois alfajores Havanna (mais vale prevenir) e olhar as poucas e tristes vitrines de artesanatos… repletas de artigos de couro, jóias (?) de gosto duvidoso, e umas rendas e bordados muito parecidos com as da feirinha da Beira-Mar.
No voo Asunción – SP, surpresa: serviram um jantar, com opções de almôndegas com arroz e ravióli de ricotta, o que me fez pensar no diário mínimo de Umberto Eco.
Chegando em SP, surpresa menos agradável… muita turbulência, dessas de fazer o avião despencar no vácuo e o estômago (a essas horas já cheio de ravióli) tomar o lugar do esôfago. Por causa do mau tempo, ganhamos uma meia hora suplementar de voo, o que me fez chegar em casa bem depois das 23h00.
Voltar é sempre mais difícil.
Volver
Saí de Santiago quase como cheguei… longa viagem de metrô até Pajaritos seguida do ônibus Centropuerto até o aero.
No areoporto dentro das duas horas regulamentares, nem tinha o que fazer. A chuva da noite limpou um pouco o céu, e era possível ver umas nuvens interessantes.
Chau!
Andanças por Santiago
Cheguei em Santiago no fim da tarde de sexta, o que, de cara, arruinou meus planos de encontrar uns conhecidos que eu tinha de contatar em horário de trabalho. Graças à indicação de uma moça que viajou ao meu lado no ônibus, não desci na estação San Borja, mas no metrô Pajaritos. Viagem de 30 minutos até a estación Los Leones, e estava em Providência, a poucos metros do apart-hotel onde queria ficar.
Infelizmente, eu pensara muitas vezes em escrever ou ligar para fazer reserva no apart que fica na Santa Magdalena, mas não tomara nenhuma ação mais efetiva! E, ao chegar ao hotel, descobri que só havia vagas a partir do dia seguinte, apesar de toda a solicitude de don Eduardo em tentar me conseguir uma vaga lá ou em um hotel da rede. Reservei para o dia seguinte e aceitei a proposta de deixar minha mochila lá enquanto buscava um lugar para ficar naquela primeira noite. Lembrei de um hostal que eu tinha pesquisado, que não ficava longe. Saí caminhando e, a duas quadras, encontrei um outro apart-hotel, com um apartamento livre. Mais barato que o outro, e maior. Ufa !!! Voltei correndo buscar minha mochila.
A minha estratégia em Santiago era conhecer o máximo caminhando. Nem fiz muito caso de museus ou monumentos em particular, que abundam na capital chilena. Desprezei também a indicação de ver a troca da guarda na Plaza de Armas, porque a semana da pátria já tinha usado a minha cota de demostrações militares e patrióticas… e ainda restava a decoração em toda parte.
A minha proposta era ver as ruas, a cara do povo, o movimento. Mantive alguns pontos que sempre figuram na minha lista quando visito alguma cidade: um mercado ou feira livre, uma livraria (se puder ser um sebo melhor), um lugar para tomar um café ou a bebida quente que o povo tomar (na Bolívia, por exemplo, mais vale a manzanilla que o café). Também adoro ir a um salão de beleza, se possível para cortar o cabelo, e dar uma olhada em algum supermercado. As más-línguas dizem que esse último hábito eu obtive com a convivência com o movimento de donas de casa, mas eu desminto, tenho isso há muito tempo.
Perambulei muito. Vi o mercado muncipal, que todos me diziam meio sem interesse, e que é lotado de restaurantes com comida típica. Depois dos excessos de Tongoy, achei melhor maneirar na dieta…então fiqui só olhando os cardápios e mostruários com Centolla, e diversos peixes e mariscos. Foi difícil resistir. Se tivesse companhia, acho que teria sucumbido ao apelo da centolla.
Muito mais pitoresco, e para mim interessante, é o mercado popular Tirso de Molina , a uns 200 metros do municipal, e que tem frutas e verduras. Já que estava num apart, com possibilidade de cozinhar, foi lá que comprei tomates, palta (abacate), frutilla (morangos) e peras.
Tampouco resisti ao turístico passeio de funicular.
Duas pessoas me recomendaram o zoológico, mas eu costumo achar meio deprimente os animais enjaulados, embora não nutra nenhuma afeição particular por animais. Na verdade, há tempos superei a vergonha de dizer que os prefiro em desenho animado (isso é particularmente válido para gatos e cães, com exceção do Shiraz e do Tobi).
O lugar estava apinhado. O céu com uma poluição digna de São Paulo não contribuía para as fotos panorâmicas… o amanhecer e o entardecer devem ser espetaculares.
O bônus no caso do funicular do Cerro San Cristóbal é a possibilidade de se descer por um caminho muito lindo. Também é possível subir pelo caminho, mas só descobri depois. A intenção de descer caminhando foi o que me impediu de esperar o pôr-do-sol lá em cima.
Ao sair do parque, um choque de realidade ao ver as antenas de tv e os prédios da Santiago moderna.
Fim do mistério
Desde a minha chegada ao Chile andava intrigada com uma iguaria chamada mote com huesillos, que em muitos lugares é ofertada como sobremesa e não raro recebe o epíteto de rico, que significa gostoso.
Ontem alguém me explicou que huesillos nada mais eram que uns pêssegos, e o tal mote com huesillos uns grãos com o pêssego seco. Tomei coragem, então e , no parque municipal, resolvi comer uma porção.
Na verdade é de comer e beber, e é servido gelado, ou assim se anuncia.
O tal do grão ainda não descobri o que é, mas lembra vagamente o milho.
And I give you Mote com huesillos:
PS: o mote do Mote com huesillos é trigo!!!! Teria encontrado a informação em qualquer guia se tivesse me dado ao trabalho de ler algo.
Paraíso
Acho que a primeira vez em que ouvi falar de Valparaíso foi quando eu tinha uns dez ou onze anos e a família da minha colega de escola Andrea, por alguma razão bizarra, foi morar alí durante uns dois anos. Em plena ditadura militar! Ao retornar, Andrea falava do lugar, principalmente do mar, dos panelaços e do uniforme das escolas, parecido com os das escolas inglesas.
O mar ainda está lá, ainda bem, e os uniformes escolares permaneceram parados no tempo. Para as garotas, umas saias cinza com meias da mesma cor, e casaco, além de umas incríveis polainas. O porto já não tem a mesma importância e a vizinha Viña del Mar, conhecida pelo festival de música, tornou-se um horrível balneário com prédios destituídos de charme.
Parece que o título de patrimônio da humanidade salvou Valparaíso. A cidade é linda… com uma geografia privilegiada, faz pensar no que poderia se tornar o Rio de Janeiro se alí houvesse governo. É claro que Valparaíso é bem menor, logo o trabalho parece ser mais fácil.
A cidade valorizou suas encostas e a vista para o mar com vários paseos, miradores e ascensores.
É intrigante ver as fachadas coloridas das casas típicas, recobertas de folhas de zinco (!) onduladas.
Em Cerro Alegre e Cerro Concepción, apesar dos muitos bares, hostais e lojinhas de artesanato, consegue-se perceber uma vida local, com atividades culturais e sociais de bairro que ultrapassam o aspecto turístico. Tem-se a impressão que é lugar bom de se viver.
Subi e desci muita ladeira desde o momento em que cheguei. Na página do meu Bed & Breakfast, a orientação era pegar um ônibus na estação rodoviária direção Aduana e descer na praça Aníbal Pinto. Em seguida tomar um táxi compartilhado (que eu pensava só existir na Bolívia) e subindo a rua Almirante Montt por umas 4 quadras. Ingenuamente, achei que por 4 quadras poderia dispensar o táxi e seguir caminhando, e assim o fiz. Era sem contar com a ladeira baiana que é a Almirante Montt. Com uma mochila de 14 kg nas costas e na frente a mochilinha com computador e câmera, fui avançando devagar e com várias paradas. Para piorar, o fecho que prende o apoio do quadril da mochila esta ruim e solta todo o tempo. Fiquei feliz em chegar no hostal.
Caminhei muito pelas ruas , vi os miradores, os monumentos…
Ao passar por uma ruazinha, ouvi um violão e vi na soleira de uma porta um rapaz que tocava Pobre del cantor de Pablo Milanés… delícia.
Também fui visitar a escola de fotografia Cámara Lucida (http://www.camaralucida.cl/portada.htm ), projeto iniciado há 11 anos por um soriano, numa casa distante poucas quadras de onde estava hospedada. Fui recebida com uma hospitalidade fantástica
Final de tarde com direito a pôr-do-sol nas Torpederas , com uma caminhada quase sem fim pela orla .
Na volta do passeio, resolvi parar num restaurante entre o bairro do Porto e o palácio de Justiça chamado La Playa, que afirma ter sido inaugurado em 1908, e mescla uma decoração kitsch com uns painéis de madeira, espelhos e fotos antigas. Pausa para um copo de vinho, enfim, e uma empanada de macha-queso. O vinho não era dos melhores e o óleo onde foi frita a empanada não estava na primeira juventude, mas o balcão de madeira do bar me ofereceu um momento tranquilo, com uma impagável trilha sonora dos anos 70, que começou com Eagles, – Hotel California- e seguiu por David Bowie (Ziggy Stardust) – Starman, Peter Frampton -Baby I love your way , Carpenters -Close to you, Carly Simon – You’ve got a friend… pura nostalgia que mereceria figurar na playlist da Karam!
No dia seguinte, cometi um erro terrível. No lugar de seguir deambulando por Valparaíso, tomei o metrô e fui visitar Viña del Mar… tempo perdido. Céu nublado, tempo frio, sem muita graça.
No início da tarde, deixei o paraíso em um ônibus e segui para Santiago.
No caminho, fui vendo alguns vinhedos com os nomes que vemos nas garrafas: Indomita, Emiliana… Ao meu lado, uma garota estudava a aplicação de florais de Bach. Num dado momento, começou a se maquiar e, para curvar os cílios, usou uma colher de café… vontade de fazer uma foto disso!
I shoot film, and I know why, I don’t trust digital cameras!
Ok…tava tudo indo muito bem, mas ontem a câmera resolveu apresentar uns erros… Vou ver o que faço disso.
Meu estômago não digere!
Não creio que tenha sido algo estragado, pois nem tive febre nem náusea, mais provável que tenha sido o excesso, após toda a moderação e o medo na Bolivia. Sei que nem todos perceberam essa moderação nas minhas descrições, mas eu me contive, sempre lembrando da Segurança Alimentar. Afinal, ninguém sai impune de tantas refeições compartilhas com Sezi e Shandra (e anos de convívio com gente que trabalha na vigilância sanitária).
O abuso de mariscos fez o que nem a salada de frutas do mercado de Sucre, nem as salteñas e empanadas mais suspeitas que comi haviam conseguido. Cheguei ao teminal de La Serena justo a tempo para desembolsar meus duzentos pesos para o acesso aos baños. Por uns instantes, tive uma sensação terrível de déjà vu … temi reviver os momentos da partida de La Paz em 2002. Ainda bem que meu ônibus só saia tarde da noite. Tomei muito chá de hortelã e umas cápsulas de Floratil.
Pensei que o meu ônibus para Valparaìso nunca fosse chegar. Mas, finalmente, veio, e o meu lugar Salón Cama era o melhor que jà tive até agora, quase uma cama mesmo. Luxo. E o melhor… ninguém do lado. Fila única. Dormi quase imediatamente e só acordei na última hora da viagem.
Ao chegar em Valparaíso, busquei um Bed & Breakfast que me foi indicado, bem no coração do Cerro Alegre, o Allegretto, que, por sorte, tinha um quarto para mim. Um lindo quarto vermelho, decorado com uns móveis antigos.
Agora estou batendo perna… subindo e descendo ladeira. O Cerro Alegre justifica seu nome.
24 horas em Tongoy
Tongoy fica na província del Elqui , a pouco mais de 40 km de la Serena. Tem uma península que o povo de lá chama habitualmente de « la isla » e abriga o que deve ser um balneário turístico animadíssimo em janeiro e fevereiro, mas que nesse meio de semana de setembro, pós festas pátrias, parece meio abandonada.
O trajeto em si foi épico. Em um mini-bus guiado por um motorista muito idoso e particularmente desatento, deixei o teminal como única passageira. Outras pessoas foram subindo durante o percurso. Em Coquimbo, subiu um senhor idoso e simpático que me perguntou se eu ia a Tongoy. Repliquei que sim e aproveitei para perguntar se ele poderia me indicar um lugar para passar a noite. Don Mario Gallardo, da rádio Riquelme, prontamente indicou não um, mais dois lugares que poderiam me acomodar, e ainda disse que poderia dizer que ia com a sua indicação, para conseguir um desconto. Infelizmente ele falava tão enrolado que eu não entendi os nomes dos lugares ( e só sei o nome dele porque me mostrou o cartão da rádio).
Cheguei numa Tongoy deserta e por meus próprios meios consegui um quarto com cama grande e banheiro privativo e com água quente num alojamento a duas quadras do ponto de ônibus e menos de 50 m da praia por módicos 10.000 pesos.
Larguei as coisas, enverguei a bermuda e calcei as havaianas e segui para a praia, para um tour de reconhecimento.
Caminhei na praia até o fim do dia, quando voltei ao alojamento para uma ducha, roupa quente e um pedido de indicação de um lugar bom para comer as especialidades locais: mariscos em geral, mas principalmente ostiones (vieiras), ostras, e erizos (ouriços).
A proprietária me indicou um lugar ao lado do mercado de pescado.
Tongoy revelou sua vocação gastronômica e eu enchi a pança de macha-queso (uma empanda de queijo com frutos do mar) e umas vieiras ao natural com molho verde, olhando o pôr -do sol e a saída da lua junto ao mar.
No dia seguinte, resolvi dar uma volta na « ilha ». Duas horas caminhando. O percurso não necessitava de tanto, mas a vista sim.
Em seguida almoço com ostras e um prato típico, chupe de mariscos!
Depois disso era calanguear no sol e mais pro fim da tarde tomar um ônibus de volta para La Serena, a fim de pegar o noturno que me levaria a Valparaíso.
De Antofagasta a La Serena
A viagem de 9 horas até La Serena foi num ônibus semi-cama quase vazio. Semi-adormecida, vi Colateral com um Tom Cruise falando espanhol e uma parte de outro filme cujo início ( e logo o título) eu perdi porque dormia, até que o motorista decidiu que ninguém estava mesmo vendo o filme e que era melhor escutar cumbia. Melhor assim, fiquei olhando a lua e dormitando quando não era acordada pelo fluxo de passageiros que subiam de desciam…
A viagem demorou menos que eu pensava e me deixou em uma La Serena fria e escura. Ainda assim, consegui dinheiro e um café com wi-fi, o que me permitiu saber que os suiços iam para o Valle del Elqui e ler a mensagem de um amigo que me aconselhava fugir de La Serena e ir para Tongoy, cidadezinha na mesma baía da Serena, a uma hora de distância.
Refleti um pouco e aproveitei a vizinhança de um centro comercial para um momento mulherzinha num salão. Em seguida, saltei num ônibus para Tongoy.